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Carrie Bradshaw está de volta – e já não me sinto mais inspirada por ela
Em sua coluna, Carol Maglio fala sobre o retorno de Carrie Bradshaw e por que a icônica personagem de Sex and the City não é uma inspiração quando se trata de relacionamentos.
Uma das séries de TV mais queridas de todos os tempos está prestes a nos entregar uma leva de 10 novos episódios, 17 anos depois. Dia 9 de dezembro, chega à HBO Max a aguardada “And Just Like That”, derivada de “Sex And The City”, trazendo de volta Carrie Bradshaw, Miranda Hobbes, Charlotte York e outros icônicos personagens.
Não há como negar que a aclamada série foi um marco para o público feminino desde a sua estreia. Confesso que fui (ok, ainda sou) bastante fã! Mas, maratonando os 94 episódios em pleno 2021, fiquei bem constrangida de perceber que eu me identificava tanto com a protagonista Carrie Bradshaw. Tinha ela como uma inspiração, principalmente quando o assunto era relacionamentos.
Nos últimos anos, sobraram artigos criticando diversos pontos de SATC, desde a falta de diversidade étnica do elenco (como se não existissem negros em Manhattan) até o apontamento de diversas falas machistas, homofóbicas e racistas nos discursos do quarteto principal. E, para uma série tida como tão progressista, é triste, mas é verdade. “Sex And The City” é um produto do seu tempo, não há como negar. Ela reflete o final dos anos 90, buscando estar à frente nas discussões, mas ainda muito longe da dita ‘desconstrução’.
Acho que nos deixamos hipnotizar pelas quatro amigas ao redor de uma mesa falando tão abertamente sobre sexo, homens e relacionamentos. Com isso, acabamos rindo de tantos textos problemáticos e os aceitando. Mas muito do que era dito em SATC já não cabe mais hoje. E não tenho dúvida de que um dos motivos da Sarah Jessica Parker continuar espremendo o bagaço dessa laranja nesta nova versão é atualizar essas personagens tão queridas e exonerá-las do seu pensamento do passado.
No início dos anos 2000, mulheres na faixa dos 30 eram representadas de uma forma que não inspirava a nossa geração. Ou eram desajustadas como Bridget Jones ou reflexos das mulheres balzaquianas da literatura, com pouco glamour e muita frustração. Aí chegam Carrie, Samantha, Miranda e Charlote, vestindo e calçando o que havia de mais fashion, vivendo e namorando em Nova York, no coração do mundo, frequentando os locais mais badalados. Interpretadas por atrizes cheias de carisma, era impossível não gostar delas.
Mas, problemáticas socioculturais à parte, quero falar sobre o quarteto e seus relacionamentos. Como a nossa geração acabou usando SATC praticamente como um guia nesse aspecto. A série era uma celebração à mulher solteira depois dos 30, ainda que o “final feliz” das quatro tenha sido no melhor estilo de comédia romântica.
Vendo algumas situações com os olhos de hoje, eu me peguei pensando em como podia ter a Carrie Bradshaw como um modelo no assunto relacionamento. Ela era MUITO imatura, voluntariosa e péssima. Será que eu também era e por isso não via nada disso nas situações que ela vivia na telinha? Fica a dúvida.
Uma das cenas mais representativas de quem era a Carrie acontece quando ela vai à igreja espiar o Mr. Big e a mãe dele, mesmo depois de ele explicar que a missa de domingo era um momento que ele não estava disposto a dividir com a namorada. Não satisfeita em ter ido ao local vigiar, a protagonista ainda passa por situações constrangedoras dentro da igreja. Por fim, ainda descobre que a sogra nunca tinha ouvido falar dela. E não tem um amigo pra dizer o quão invasiva ela havia sido. Aliás, raramente alguém puxava a orelha da Carrie quando ela pisava na bola.
E o que dizer também daquele arco horroroso da Carrie tendo um caso com o Big casado, enquanto ela está de relacionamento sério com o Aidan? Pra mim é a pior temporada e a que foi mais difícil torcer pela ‘mocinha’. Como eu podia me identificar com ela?
Sem contar toda a indisponibilidade emocional do Big, que se resolve milagrosamente nos últimos dois episódios da série. Será que não passou uma mensagem para as solteiras sonhadoras da audiência na época de que valia a pena dar murro em ponto de faca? De que compensava esperar por alguém que nunca esteve 100% com você?
Na minha opinião, esse é um grande erro que nós cometemos na vida real. Insistir em relações sem equilíbrio, ignorar os sinais vermelhos mais óbvios em nome de um ideal romântico. Teria sido legal ver uma outra perspectiva na tela, pra variar. Todos merecemos nosso final feliz, claro, mas SATC romantizou muito as toxicidades das relações.
Quantos relacionamentos de merda todas as amigas se submeteram por carência ou pela pressão da sociedade? Mesmo na série, ainda se julgava o sucesso de uma mulher pelo fato de conseguir um relacionamento que apontasse para casamento.
Bom, em “And Just Like That”, as amigas continuam casadas e é uma pena que Samantha, a personagem MAIS legal, não esteja nessa nova série, com a sua perspectiva sempre única. Para suprir a gigante ausência dela, chegarão quatro novas personagens e as atrizes já adiantaram que os episódios vão girar em torno dos conflitos dessas sete mulheres . Com isso, serão mais longos do que os da série original.
Estou curiosa para ver a nova abordagem, com todas elas acima dos 50 anos. A escolha de um novo nome pra série me leva a acreditar que não vamos mais falar sobre “o sexo e a cidade”, mas de transformação. Isso pode tirar um pouco do charme deste universo SATC? Sim. Mas pode também abrir uma nova porta para a gente refletir sobre a nossa busca pelo novo momento da vida. Isso porque a passagem do tempo para as mulheres, direta ou indiretamente, sempre foi um dos temas centrais de SATC.
Coloco minha esperança de que a nova série nos incentive a desapegar do passado. Um exercício que é difícil, à medida que vemos que não estamos ficando mais jovens. Além disso, é ainda um fato complexo de se encarar quando se é mulher. E uma série com o carisma de Carrie Bradshaw e cia pode mesmo ser muito inspiradora.
Foto de capa: Divulgação / Metropolitan FilmExport