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Eu não entendia o que era ser uma mulher negra

“Depois que entendi o que era ser uma mulher negra, nunca mais quis ser outra pessoa”. Leia mais no relato de Marina Couto.

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A cor da minha pele nunca tinha sido uma questão pra mim. Vinda de uma família metade negra, metade branca e cercada de privilégios, eu achava que racismo, negritude e todos os estereótipos relacionados a pessoas de pele preta eram coisas de novela. Afinal, eu nunca tinha passado por nada disso. Ou, pelo menos, achava que não. Porque eu não entendia o que era ser uma mulher negra. 

Ser uma mulher negra é carregar o fardo de um corpo constantemente erotizado. Constantemente observado. Que aguenta tudo, física e emocionalmente. Mas que está constantemente sozinho. Sozinho em todos os ambientes. Quantas mulheres negras fazem ou fizeram parte da sua vida? Com quantas você já se relacionou? Quantas estão ao seu redor hoje? 

É tentar se encaixar em padrões de beleza que não são seus. É ouvir, ainda criança, que o cabelo é duro (pode substituir por difícil, diferente ou exótico, tanto faz), que o nariz é grande demais e que manchas escuras parecem sujeira. E não se culpe por já ter pensado em cirurgia, usado receitinha caseira para clarear a pele ou alisado o cabelo, tá? Isso não faz de você uma mulher menos negra. Faz de você uma mulher negra que está tentando sobreviver às regras que estão impostas.

Se ser uma mulher já é ter que se provar o tempo inteiro, a mulher negra tem que se provar o dobro. O triplo. Às vezes, mais até do que isso. Não tem privilégios, bolhas e nem o famoso “quem indica” que te tire do lugar de ser uma mulher negra. Muitas vezes, a única mulher negra. Quantas mulheres negras trabalham com você? Quantas dessas mulheres estão em cargos de liderança? Quantas delas podem falar, sugerir, expressar suas ideias? Quantas delas são ouvidas em diferentes épocas do ano, e não só no dia 20 de novembro?

E ai daquela que ousa desafiar essas estatísticas. Cadê aquela guerreira, forte, que aguenta tudo, que veio a esse mundo apenas para atender desejos, servir e obedecer? Como assim ela quer mandar, como assim ela não aceita, como assim ela não acha graça de piada racista, quer comer do bom e do melhor, quer usar moda casual de luxo? Ah, essa mulher negra é logo taxada de preta patrícia, afropaty, neguinha metida. 

Ai da mulher negra que quer se livrar dos estereótipos. Cadê aquela guerreira, forte e que aguenta tudo? Como assim ela quer ser vulnerável, quer chorar, quer atenção, quer colo? Como assim ela quer ser amada? Como assim ela quer sossego, tomar uma cervejinha, curtir uma praia, fofocar com as amigas, dançar sozinha como se ninguém estivesse olhando? Cadê aquela preta que deveria ter uma opinião formada sobre tudo e estar militando na internet?

Eu não entendia o que era ser uma mulher negra. Já passei por situações pessoais, profissionais e afetivas que me deixaram ainda mais confusa sobre a minha identidade. Sobre o que eu quero, o que eu gosto e principalmente sobre o que eu não aturo mais. Mas, depois que eu entendi o que é ser uma mulher negra, com todas as suas nuances e de todos os jeitos que eu posso e me dou o direito de ser, eu nunca mais quis ser outra pessoa.  

Foto de capa: Unsplash

Marina Couto

Do Rio, do mar, do Carnaval e do textão. Sou formada em Letras e um dia já quis ser backing vocal, mas, acredite (e meus vizinhos podem provar), eu escrevo melhor do que canto. Aliás, se o assunto for moda, beleza e cultura, pode contar comigo, desde que caiba todo mundo nesse rolê também.

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