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Eunice Baía fala sobre os desafios de ser uma mãe solo indígena: ‘É uma barra’

O projeto “Mátria Brasil” vem retratando histórias sobre mulheres importantes ao longo da história do país, ou seja, da invasão portuguesa aos dias atuais. Pela série da “Marie Claire”, Eunice Baía, da etnia Baré, detalhou as diferenças entre a maternidade de seus dois filhos e os desafios de ser uma mãe indígena. Segundo ela, mesmo com as dificuldades, felizmente a atual fase para o seu povo é mais promissora.
“Fico feliz que meus filhos vão poder escolher o que querem fazer. Estamos vivendo um momento de mais visibilidade para os povos originários. Quando que a gente ia imaginar ter uma ministra indígena? Mas claro que ainda tem muitos estereótipos sobre como uma mãe indígena deve ser, como uma pessoa indígena deve ser. Vim para São Paulo há 20 anos, e um dos maiores obstáculos da maternidade é criar meus filhos aqui”, disse.
Eunice Baía relembra dificuldades ao chegar em São Paulo
Eunice Baía foi protagonista do filme “Tainá – Uma Aventura na Amazônia”, de 2000. Agora, aos 32 anos, ela atua diretamente na produção de figurinos e também é mãe de Antônio, 11 anos, e Aruã, 1.
“O Antônio puxou o pai, que é aqui de São Paulo, então tem cabelos claros. O que ele mais puxou de mim foram os olhos. Mas ele já sente na pele a dificuldade. As pessoas questionam a origem dele, falam que não parece indígena. Eu digo para ele que não tem isso, não tem mais essa história de que indígena tem que ter cabelinho escorrido. Indígena pode ser de qualquer forma, cabelos e cores. Mas é complicado para uma criança”, desabafou.
“Sei muito bem disso porque lembro quando vim para São Paulo e comecei a estudar. Foi muito difícil para mim isso de me afirmar, ser indígena numa escola. Lutei muito para não ser quem eu era, não me ver como essa menina. Enfrentei muito preconceito no meu primeiro ano aqui”, acrescentou.
Eunice Baía comenta sobre ser mãe solo: “É uma barra, ainda mais sendo indígena”
Em depoimento sobre sua experiência como mãe indígena, Eunice Baía não contém a emoção ao falar da força que recebe de seus filhos todos os dias. “Me tornei mãe aos 22. Nem achava tão cedo, porque minhas irmãs foram mães aos 15, 16 anos. As pessoas falavam: ‘ah, indígena tem filho cedo’. Mas não é isso. O Aruã veio dez anos depois do Antônio, e foi uma surpresa. Não achei que fosse ser tão diferente do Antônio como está sendo. O Aruã é uma pipoca, não para quieto. É incrível ver que são dois indivíduos completamente diferentes”, refletiu, acrescentando sobre a questão cultural:
“Entre os indígenas, quem cuida dos filhos é a mulher. E nem sempre eu posso estar presente, trabalho fora, meus filhos vão à escola. Bate muita culpa quando o Aruã fica doentinho, ou quando fica o dia todo na creche. Hoje sou mãe solo de dois. É uma barra, ainda mais sendo indígena. Ao mesmo tempo, depois que me tornei mãe, descobri uma força em mim que não sei de onde vem. Acho que vem deles. Os meus sonhos, as coisas que eu queria — nada mudou. Lá atrás, sonhava trabalhar no Teatro Municipal, com figurino, e hoje estou vivendo isso. A maternidade não me atrapalhou. Às vezes, no primeiro filho, achei que atrapalharia — a gente pensa nisso querendo ou não”, finaliza.